CIDADES AFUNDAM EM DIAS NORMAIS – ALINE VALEK

Sinopse: Da mesma autora de “As águas vivas não sabem de si”. Alto do Oeste é uma cidade no meio do Cerrado, que, no início desse século, afundou inexplicavelmente dentro de um lago. Apesar de insólita, essa submersão foi acontecendo de forma lenta e gradual, de modo que também foi aos poucos que seus habitantes foram “expulsos” pelo avançar das águas e obrigados a abandonar à cidade. Anos depois, uma seca extrema no cerrado voltou a revelar Alto do Oeste, e todos os resquícios da vida das pessoas daquele lugar antes da inundação vieram à tona novamente, como se fossilizados pelo barro que agora encobre todas as coisas. Ao saber da notícia, Kênia Lopes, uma antiga moradora da cidade, decidiu que precisava fotografar as ruínas, como se em busca da resposta para uma questão jamais respondida: o que faziam os moradores enquanto aquele pequeno apocalipse se aproximava?
 
Resenha/Opinião: Essa é a história de uma cidadezinha do Cerrado que foi, de forma lenta e gradual, engolida pela água. Anos depois veio a seca e Alto do Oeste emergiu, revelando mais que destroços cobertos de lama, resquícios de vidas interrompidas ou alteradas para sempre. A notícia logo se espalha: um milagre aconteceu, a “Atlântida do Cerrado” se reergueu! Entre devotos e turistas, a região também atrai antigos moradores, gente que perdeu algo (ou tudo) na inundação. Lares, amores, infâncias, sonhos, vidas… Todos parecem voltar ali em busca de algo. Não é diferente para Kênia. De volta ao local onde viveu a infância, a fotógrafa chega com o intuito de registrar a tragédia, mas logo se vê atraída pelo fluxo de lembranças e descobre que, às vezes, a memória é tudo o que nos resta, o “único lugar onde podemos permanecer.”
Na companhia do amigo argentino, Kênia começa a entrevistar os antigos moradores e a evocar as memórias do que faziam enquanto a cidade afundava. A menina que fazia o trabalho da escola, o grafiteiro que perseguia seu sonho, o padre náufrago que se agarrava a sua fé, a professora determinada a preservar memórias.
A narrativa se dá de forma entrecortada e, aos poucos, conforme vamos encaixando as peças, esses dramas do cotidiano vão formando o que é a vida, o que é o Brasil. Mesmo poética, a obra também traz um fundo de descaso político, corrupção, violência e chama a atenção para as causas ambientais. Partindo para uma terceira camada, o livro também discute o papel da fotografia, no melhor estilo Sontag.

Temos aqui uma obra completa e atualíssima. Fácil de ler e rápida de devorar, mas densa em conteúdo. Ao longo da leitura, a gente também acaba se voltando a episódios da infância e deixando emergir lembranças. É um livro que fala muito de memória, abandono, escolhas e trajetória de vida. Mexe muito com o leitor e por isso acho difícil que alguém passar batido por essa leitura, ela vai te tocar em algum ponto. Todos nós abandonamos algo ao longo do caminho e, por mais que sejam dolorosas, essas perdas também nos moldam e nos faz ser quem somos hoje.